Ungido para reinar.




Comparando a trajetória de Davi à vida cristã e aos ministérios eclesiásticos

“Então Samuel tomou o vaso de azeite, e o ungiu no meio de seus irmãos; e daquele dia em diante o Espírito do Senhor se apoderou de Davi.” (1Sm 16.13.)

Davi era o mais moço dos filhos de Jessé e parecia o menos indicado para ser rei, mas Deus o escolheu. Ele não estava em evidência, mas trabalhando discretamente, no campo, cuidando das ovelhas. Contudo, foi escolhido para apascentar a nação de Israel (2Sm 5.2).
Deus não escolhe os melhores, conforme os critérios humanos, mas aqueles que dependem dele para a realização dos seus propósitos (1Co 1.26-28).
A escolha que Deus faz pode parecer contrária à lógica humana. Diante dos filhos de Jessé, quem escolheria o mais novo, sendo os demais maiores, mais fortes, e três deles integrantes do exército de Israel? (1Sm 17.13). O próprio Samuel ficou impressionado com a aparência daqueles jovens (1Sm 16.6).
Davi não estava, àquela época, pronto para reinar, mas nem por isso rejeitou o chamado, a unção e a responsabilidade. Começaria, portanto, um longo processo de preparação.

AS DIFICULDADES

Quando foi ungido, Davi não sabia o que lhe aconteceria. Ele ainda não conhecia Golias. Assim também, os que começam uma caminhada com Deus ou um ministério, não têm a ideia exata do que lhes está reservado. Muitos se iludem com a expectativa de uma jornada tranquila. Estes, diante dos desafios, murmuram e sentem-se decepcionados (Mt 13.20-21).
Entre a unção e o trono, haveria um longo caminho a percorrer: dificuldades, obstáculos, desafios, adversários e batalhas. Apesar de a unção, tão importante e imprescindível, chegar ao trono não seria fácil ou automático, mas uma luta árdua que se estenderia por muitos anos.
Depois da unção, vem a oposição, até mesmo de onde menos se espera: da família (Mt 10.36). O próprio irmão de Davi irritou-se contra ele e o criticou (1Sm 17.28). Afinal, Eliabe era o primogênito, o primeiro candidato no dia da unção, mas Deus o havia rejeitado (1Sm 16.6). Deveria ser muito difícil para ele ver o irmão mais novo alcançando posição de maior destaque. A inveja produz inimizade e ódio.
Saul, que amou Davi quando o conheceu (1Sm 16.21), tornou-se logo seu inimigo, também por inveja, ao ver que o jovem se tornava um sucesso popular (1Sm 18.6-16).
Davi enfrentou adversários externos (Ex.: Golias) e internos (Ex.: Saul), mas cada um deles era necessário no caminho daquele jovem para que ele tivesse experiências com Deus pela fé, manifestasse seu caráter, desenvolvesse habilidades, amadurecendo e tornando-se cada vez mais apto para reinar.
Da mesma forma, todo aquele que se converte ao evangelho de Jesus Cristo enfrenta tribulações, críticas e perseguições. O próprio Mestre, após o batismo, quando ia começar seu ministério, teve que enfrentar Satanás no deserto. Depois, vieram os encontros diários com os fariseus, saduceus, escribas, sacerdotes e Judas Iscariotes.
Voltando à história de Davi, o moço prosseguia firme, apesar da resistência que surgia, pois sobre ele havia a promessa do reino. A palavra do Senhor e a unção do Espírito Santo lhe davam força para prosseguir.
Ele precisava lutar, mas não estava em suas mãos a solução de tudo. Matou Golias, mas não poderia matar Saul. Precisava depender do Senhor nesse assunto, esperando o tempo de Deus.

SERVIÇO

Davi já havia sido ungido por Deus, mas, ainda assim, antes de reinar, precisava servir; servir ao pai, aos irmãos, ao rei Saul, à nação. Ele foi se tornando um servo cada vez mais “importante”, aumentando o alcance do seu serviço (se é que existem servos importantes). Seja qual for nossa área de atuação, precisamos começar através do trabalho, muito trabalho. Acima de tudo, Davi estava sempre servindo a Deus.
Não houve nele arrogância ou prepotência. Não recusou tarefas simples pelo fato de ser ungido do Senhor. Não exigiu que outros o servissem, mas demonstrou disposição para

- Ser escudeiro do rei (1Sm 16.21).
- Tocar harpa para o rei (1Sm 16.23).
- Cuidar das ovelhas (1Sm 17.15).
- Levar alimento aos seus irmãos na guerra (1Sm 17.17).

Davi se encontrava em posição secundária até aquele momento, mas não demonstrou contrariedade alguma em relação a isso.

“Diante da honra vai a humildade” (Pv 15.33).

Por mais títulos que tenhamos, nunca podemos perder este: servos.

PERSEVERANÇA

A unção não determina o início imediato do reinado. Assim ocorre com diversos propósitos de Deus em nossas vidas. Queremos resultados rápidos, instantâneos, mas este nem sempre é o modo de Deus fazer as coisas.
Davi precisava de fé, paciência, perseverança, humildade, para alcançar o trono. Naquela época, eram comuns os atentados contra os monarcas para se tomar o poder. Contudo, Davi não escolheu esse caminho. Se Deus lhe havia prometido o reino, ele seria fiel para cumprir. Davi não desanimou nem desistiu.

TREINAMENTO

Seu governo começou na Caverna de Adulão (1Sm 22.1-2). Sob suas ordens estavam quatrocentos homens, quase todos marginalizados. Aquele foi o seu primeiro exército. Davi precisou usar de misericórdia para com eles, acolhendo-os com amor. Foi um tempo de investimento em pessoas. Afinal, ele não reinaria sozinho. Depois vieram os frutos. Muitos deles seriam os maiores valentes de Israel, dispostos a dar a própria vida por Davi. A caverna é um começo simples e humilde, porém importante.

A história de Davi pode ser dividida em duas partes:

Particular Pública
Doméstica Popular
Oculta Revelada
Preparação Realização
Caverna Palácio

A vida de Jesus também foi dividida em duas partes.

É difícil dizer qual é a etapa mais difícil. A primeira fase é discreta, sem resultados aparentes. É tempo de lançar o alicerce, tempo de plantar. A semente precisa ficar escondida no solo para germinar. A metamorfose de alguns animais oferece também boa ilustração para este processo.
Comete grande erro aquele que quer evitar a primeira parte. É o caso do neófito que se aventura no ministério (1Tm 3.6). É o caso de quem quer ser pastor sem ter sido ovelha, ou ser mestre sem ter sido discípulo.

RECONHECIMENTO

Embora tenha sido ungido por Deus, Davi precisou de reconhecimento humano, primeiro em Judá:

“Então vieram os homens de Judá, e ali ungiram Davi rei sobre a casa de Judá” (2Sm 2.4).

Sete anos mais tarde, veio a aclamação do rei sobre toda a nação:
“Assim, pois, todos os anciãos de Israel vieram ter com o rei em Hebrom; e o rei Davi fez aliança com eles em Hebrom, perante o Senhor; e ungiram a Davi rei sobre Israel” (2Sm 5.3).

O reconhecimento não substitui a unção divina, mas a falta do mesmo pode minimizar a utilidade prática de um ministério. Todo agente público precisa ter fé pública. O que fará, por exemplo, um policial que não é reconhecido como tal? Pode não ser respeitado nem obedecido.

Vejamos o que Paulo escreveu:

“Que os homens nos considerem, pois, como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus” (1Co 4.1).

E a palavra de Jesus aos discípulos:

“Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus” (Mt 5.16).

Note-se a importância de um bom testemunho, de uma boa reputação. Os líderes não devem ser considerados super-homens, ídolos, infalíveis etc, mas precisam ser reconhecidos como servos de Deus, homens de Deus, bons exemplos, canais e instrumentos da palavra do Senhor (2Rs 4.9). Nossa credibilidade pessoal é muito importante porque pode determinar a aceitação ou rejeição da mensagem que transmitimos.

Não colocaremos o reconhecimento humano em posição suprema, mas não podemos negar o seu valor. Estamos falando de reconhecimento, em sua forma mais simples. Não nos referimos à glória humana, pois esta pode destruir o líder cristão.

O reconhecimento não é o nosso alvo nem o motivo do nosso trabalho, mas não deixa de ser um importante efeito secundário. Ele acontece pela observação dos frutos produzidos. “Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos”? (Mt 7.16).

É imperioso, portanto, que se evitem os escândalos, os atos vergonhosos, que se tornam motivos de censura pública contra o ministério, com a consequente desqualificação do cristão e do ministro. Tudo isto é contrário ao reconhecimento (Rm 14.16; 2Co 4.2; 2Co 6.3).

Paulo disse a Timóteo que o candidato ao ministério deveria contar com o bom testemunho dos de fora, ou seja, mesmo daqueles que não faziam parte da igreja (2Tm 3.7).

É verdade que alguns profetas bíblicos e o Senhor Jesus foram rejeitados por muitos ou pela maioria das pessoas, mas não por terem procedido de modo impróprio. O ministério de Jesus não foi reconhecido por todos, mas isto ocorreu por causa da dureza dos corações daqueles que o encontraram. Alguns o reconheceram tardiamente:

“Ora, o centurião e os que com ele guardavam Jesus, vendo o terremoto e as coisas que aconteciam, tiveram grande temor, e disseram: Verdadeiramente este era filho de Deus” (Mt 27.54).

ALCANÇANDO O ALVO

No dia em que foi ungido, Davi não tinha ideia dos desafios que enfrentaria, nem conhecia a glória que lhe estava reservada. Nós também encontraremos muitos adversários, mas podemos contar com a presença e o poder de Deus nessa caminhada. As lutas serão grandes, mas as vitórias serão ainda maiores.
Finalmente, aos trinta anos de idade, Davi chegou ao trono. Considerando os princípios contidos em sua história, podemos aplicá-los à trajetória da liderança cristã. Todo líder escolhido pelo Senhor poderá constatar que está vivendo momento semelhante a algum daqueles vividos por Davi: recebendo a unção, sofrendo oposição, sendo perseguido, começando o ministério na caverna, alcançando o trono ou vivendo a plenitude da sua vocação.

O QUE NÃO PODE MUDAR

Antes de ser rei, Davi foi servo, pastor, guerreiro. Seus salmos nos mostram que ele era um homem de oração, um adorador. Podemos pensar que estas palavras indicam etapas no crescimento de Davi. Em certo sentido, sim, mas elas caracterizam, sobretudo, o que deveria ser condição permanente na vida daquele líder.
No dia em que ele decidiu buscar a arca, mas não orou a respeito, uma tragédia aconteceu, causando a morte de Uzá (2Sm 6).
No dia em que deixou de ir à guerra, pecou com Bateseba (2Sm 11).
Por mais que ele crescesse, não deveria perder a capacidade de ouvir, servir e aprender. A aparente grandeza das posições humanas faz com que muitos líderes troquem a simplicidade pela arrogância (Ec 4.13; Mt 18.3) e a oração pela autoconfiança.

Mesmo não sendo líder eclesiástico, todo cristão foi chamado para reinar (Rm 5.17; Ap 5.10; Ap 20.6; Ap 22.5). A bíblia diz que nós somos reis e sacerdotes do Senhor Jesus. Ao final da nossa jornada, depois de enfrentarmos todas as lutas neste mundo, reinaremos com ele por toda a eternidade.

::Pr. Anísio Renato de Andrade

www.anisiorenato.com

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